sábado, 24 de agosto de 2013

Incolor

há um céu de cem cores
em meu coração
coroado da dor
de um punhado de flores
no oito de março.

Em meu coração
corroído no mundo,
os olhos entregues
no canto direito
ligeiramente roxos
veem chegar o outono
e se debruçam no chão
igual fazem as folhas secas
nos filmes americanos
que meus olhos veem
enquanto não chega o sono
(e talvez não chegue nunca)

terça-feira, 20 de agosto de 2013

O desbotamento

Que prossigam os árabes e os cavalinhos
os céus mais azuis que miragem
na margem do oásis
a que se chama hoje seu pensamento vago.

Que venham as lagartixas coloridas,
os navios cheios de luzes,
os sorvetes sem açúcar, os tubos de oxigênio e soro.
Que venha até mesmo o sibilo preocupante
da secura de sua boca,
emudecendo,
até que volte cada sílaba
de suas histórias de família.

Viagens solitárias e telepáticas
beiram o abismo num sorpo
ilegível.
Cavalinhos.
Lagartixas.
Céu azul abaixo do teto.
Durcilla emoldurada na borda da cama,
o rosto sério e cru.
Qual o nome de sua mãe?
Você está me vendo?

se mexe, você
e sonha enquanto seu corpo
se molda às dores de uma derrota
iminente,
prevista nos nascimentos,
mas você luta.

E enquanto passeia o mundo,
na brancura sem fundo da cama
sem cheiro
sem gosto
e história recente,
ainda permite que eu sonhe ao seu lado
as mãos atadas às suas
que suam, se aquietam
enquanto me olha como se visse fantasmas.

Por trás desse véu gigantesco,
a pesar mais que a doença,
está preso aos cabelos seu laço de fita
desbotados os tons de rosa
como nas velhas fotografias
da sua infância.

E que por força ou por sorte
seu corpo viaje e enlouqueça
mas que não doa ou desbote.

A saudade pesa, e para sempre
pesará se você não voltar mais.

A árvore de nosso quintal
herdeira de anos e badulaques
faz a sombra aos animais
alimenta os curiós
remonta e responde ao ciclo onde estamos.
Primeiro a solidão em caroços
depois surgir timidamente
florescer, dar fruto, dar-se o tempo
até que a cortem pelo tronco
ou que exploda em tempestade.

Se cortarem este tronco que nos junta
e permite flor e fruta,
vou-me embora e me entrego
de alimento para os pássaros.

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Durante a noite

as esquinas
tem medo
e peito
e bojo
e jogo
de cintura

as esquinas
tem dores nas costas
nas coxas
tem cílios enormes
e dores nos filhos
que nascem e morrem
todas as noites

as esquinas
infelizmente
se dobram
se curvam
cruzam as ruas
que tem mão única:
que só recebem
mas não dão

essas esquinas
(muitas vezes tão meninas!)
são mesmo é demais valentes
de aguentar
tanto na vida
como se a noite
fosse o dia
e depois seguir em frente.

domingo, 11 de agosto de 2013

Dedicatória

A ti os tomates vermelhos
que escorrem, líquidos,
das pernas.
A ti, inteira, a flor
e semente e caule
e genitália oculta
entre o odor do pólen.

E os mares e a lua
(a ti!) e o sol e estrelas
e tudo que for gigante
que amantes prometem
para falar bonito,
mas nunca vão dar.

Eu não. Dou-te o que
tenho e alcanço
um livro do Graça,
cadernos de capa dura
e maria-moles da feira de doces
na biquinha de Santos
quando nos sobram centavos
para sairmos em curtas viagens.

Se eu pudesse e quisesse
te daria de um tudo,
em um tipo de amor assim
meio megalomaníaco
que às vezes me assusta
no amor pouco que vejo
nos lábios dos outros
pelo tempo do entre-aulas.

Não tenho de muito,
nem faço barganhas.
Não quero comprar-te
na base de anéis e relógios.
Te dou o que posso,
o que me dá vontade
e recorda-me de ti.
O resto eu dedico,
desejos futuros,
e assino embaixo
para que não esqueças
de quem veio tamanho presente
incoerente e solúvel
nas fibras desta folha de papel.

A ti, todo o carinho do mundo
e mais um pouco,
que é para dar sorte.
Beijos,
Helena.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Chamamento

dança um samba comigo
senhor dos olhos de vidro!
um samba de ginga e de pinga
para curar solidão
da vida moída
dos talos de vida
e calor.

e dança junto comigo!
ó moça branca e careca
ó moça preta e careca
e todas as moças do mundo
e todas as velhas e crianças
de todas as crenças e cores
cabelos diversos em tons e tamanhos
para a dança de muitas danças
até que se deite o sono
da noite para o dia,

até que se deleite o sonho
da grande Bahia.