sábado, 25 de fevereiro de 2012

Chuva de irmã para irmã

Vamos fazer silêncio
e ouvir a chuva
-
Fazer silêncio para cada gota
uma por uma
-
Vamos pensar na morena
que vai à janela e fuma
sem medo de se ensopar
-
Vamos chorar de lembrar
da sopa sofrida da mãe
muita água e mistura nenhuma
-
E vamos lembrar das fotos antigas
eu você roupas de bailarina
pensando num mundo de plumas
-
hoje não tem arco-íris
mas tem um par de lacunas.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Primeiras palavras

faltou (mais)

lar
dessa boca
sem
       sol

entrecortada
entrechuvas
a voz saiu
rouca
louca
pouca
fracarinhosa
        tinhosa
        sem ninho

dia-
     logo quieto
eu desbocado
     labiaberto

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Léu

Enquanto eu
                     rio

Você aí
              tá mar
                        assim
                        sendo assunto
                                  atenção
                                 (assumpção)

p_ mudo
e mudança - mais dança

fon fin fan fin fria
até que a luz ia
(s)e foi pro beleléu

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Não é nada grave

se a poesia não pesa
se poeta flutua
imagina então nós dois juntos
na lua.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Pedestal

a moça que desce a escada
desce com calma
cada passo por passo
(quase salto)
aos poucos bocados

a moça que desce a escada
não sabe o que faz
(pouco fala)
não diz quando falha
e sorri, e se espalha

a moça mal desce a escada
faz charme
torna um segredo suas carnes
vacila um tropeço no ar
e morre de enfarte
enquanto o corrimão de prata
prossegue intocado
como se fosse obra de arte.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Incrível

A um tanto de gente
(incluindo Gabriel, Giu, Ian, Ive, João, Lau, Lulu, Marcelo, Melyna, Nicole e Roni)




Em casa de minha vó, o tempo passava de óculos escuros. A vó saía quase toda manhã, enquanto eu estava na escolinha, ia ela pros seus afazeres e religiosidades, e nesses tempos de ultravioleta não havia outra saída senão proteger os olhos, justo ela minha vó - que, não bastasse ter de acompanhar a morte dos oito irmãos, ainda tinha que, naquelas épocas, ver chegar a catarata na vista de várias amigas. Quando voltava para casa, a idade já perseguindo-a, esquecia-se de guardar a televisiva armação de plástico vermelho e não percebia a escuridão nem quando a noite chegava, mesmo sendo o apartamento (e aliás a cidade toda) de uma luz um tanto sombreada. Era nessa hora, ainda bem, que chegava do trabalho a minha mãe. Ela de pronto lembrava à vó que tirasse os óculos escuros quando chegasse em casa.

-Mas eu esqueço!
- Mas tem que lembrar!
- Mas eu nem percebo a diferença!
- Mas faz mal, dá depressão, tudo o mais. Enfim, não pode, mãe.

Minha vó saía com passo de formiga, esbragoando baixinho e de cabeça baixa, como sempre fazia, honrado o ditado que diz "estava eu com meus botões". Ela bem rápido voltava, com medo que minha mãe acreditasse muito nas manhas dela, e conversavam por uma ou outra meia hora. Depois disso íamos embora, e assim se repetia sempre, senão isso, bem quase. É que, como minha mãe e meu pai tinham de trabalhar, desde pequena eu passava as tardes na casa de vovó, bons tempos de gibis, uns punhados de Lego, manteiga fresca saindo pelos buraquinhos do biscoito de maizena. Era um apartamento todo rendado o de vovó, ela enérgica por todos os cantos, atrás do gato meio pirata, meio doente, que em um miado esganiçado já me botava pra correr - eu morrendo de medo porque afinal o gato era mais velho que eu.

E a tevê, movida a bombril, hesitava entre o canal dois e, se não me engano, o nove, num troca-troca entre as mestras da culinária cujas receitas minha vó sempre mudava uma coisinha ou outra por puro capricho, e os programas infantis que eu selecionava como se seguisse uma linha política. Nada de pokemón, dragonball, digimon e outras violências de olhos puxados, nada de espiãs, desenhos frufru por demais, nada de gente fantasiada de banana. As tardes eram um festival de ra-tim-buns. Foi também na casa de vovó que, certa feita, descobri uma velha série chamada Anos Incríveis, que passava todos os dias no mesmo horário - e eu assistia sempre. Adorava me sentir mais velha vendo as histórias daqueles meninos do ginásio americano, todos com uns poucos anos a mais que eu. Não achava que as pessoas pudessem crescer tão rápido como na tevê, não entendia porque o pai de Kevin era tão inconstante e ao mesmo tempo conseguia se manter com a pose de chefe de família. Adorava acompanhar os passos libertários da irmã mais velha, Karen, que sumia de casa para suas riponguices. E adorava perceber como Paul, o amigo magricela e esquisito, conseguia ficar cada vez mais bonito com o passar do tempo - como se fosse se ajeitando por si só. E adorava ver como eles andavam juntos o tempo todo, mas mesmo assim tinha uma ou outra coisa que não havia meio de eu entender naquele programa, e guardava a dúvida comigo, que não era lá coisa muito preocupante.

Não entendia porque é que Winnie Cooper e Kevin Arnold não se juntavam de uma vez. Afinal não estava na cara que os dois se gostavam? E não entendia como diabos aconteciam as tais férias de verão. Lá, as férias de verão eram uma época consagrada pelo tanto de novas pessoas, passeios diferentes, crescimentos bruscos, emocionites e paixões de temporada. Mas pra mim, quando pequena, não passava de um pouco de mar no litoral paulista com mãe e pai. Ainda nesses tempos visito a vó, que nunca deixou de morar longe de mim, e aliás hoje em dia vive com gatos muito mais amáveis e mais novos que eu. Vira e mexe assistimos juntos, eu a vó e os gatos, a algum filme, mas nada de Anos Incríveis. Depois de um tempo a tevê os tirou do ar e nunca mais voltei a ver Kevin Arnold.

É até engraçado que depois de todo esse tempo eu me lembre disso tudo, ainda que eu exagere nessa coisa do tempo, porque na verdade não tenho muita noção de relógio e de muitas outras coisas. E ainda hoje sei bem que sou pequena, a mais nova entre os amigos todos, tão entendedores eles de um tanto de coisas cada um, um pouco de arte, de física e mecânica, de história, cinema e de cantorias, e eu aqui meio besta. Mas é que adoro me sentir mais velha (ou então na idade certa) quando perto dessa gente toda, e adoro conversar com o Marcelo no caminho de casa, num abraço contínuo que não pede nem explicação, e adoro ver como a Lulu, que era um pouco mirradinha, embonitou de vez. O Ive ainda quebra as agulhas da máquina de costura mas, ainda bem, não deixa de aparecer de surpresa na porta de casa. O Gabriel fala bonito de um monte de coisas que eu nem entendo, a Giu virou poema e tudo ficou maluco de uma hora pra outra.

Adoro acompanhar cada passo libertário de todos juntos, e pensar igual sem querer pensar. Nunca me esqueço de um episódio em que o Kevin e o Paul, no auge dos tempos de ginásio, devoraram escondidos uma enciclopédia inteira sobre sexo, interessadíssimos e ao mesmo tempo morrendo de vergonha um do outro. Eu, no sofá da vovó, não entendia boa parte, e o que entendia acabava por ficar vermelha de vergonha - ai que boba! A cena renasceu semana passada, quando o Ian apareceu com um gigantesco Guia Sexual da Mulher, todo orgulhoso do tanto que já tinha lido em tão pouco tempo, esse menino bonito, e daí todos entraram na fila para ler depois. É que adoro os agoras de nós, e adoro o verão que nos deixa voltar à nudez. Adoro também entender quando a Laura é um pote de doce, daqueles em formato de bichinhos, ainda que às vezes quebrado, mas que dá para consertar fácil, fácil. E adoro me sentir em casa quando não estou de verdade em casa.

Agora também acho que eu entendo um pouco mais a demora do tal romance do Kevin e da Winnie, que tem a ver com não dar o braço a torcer, e na verdade não passa de medo de amor - um medo besta para caralho, sejamos francos. De resto só posso dizer pouco, pois essas palavras tão pouco têm de poesia, ainda que todo meu pessoal compense essa minha ausência de lirismos. Enquanto fico aqui feliz de passar meu verão com esse bocado de gente, hoje minha mãe ouvia distraída, sem nem prestar atenção, a música manjada que abria o programa na voz de Joe Cocker, bem menos piegas que no balancê original dos Beatles. Não cheguei a ouvir a música inteira, e ainda bem. Esse é o tipo de música (maldito tipo) que gruda na cabeça e fica até a semana seguinte. Segunda-feira voltam as aulas.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Insônia

seu Ademir
(ideia devir)
demora - demais -
para dar a entender
o que dói
o que dança
o que é sem par
o que quer dizer
em seu densamento
de tanto pensar.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Os dois juntos

Amor depende do ponto
De vista:
Para alguns,
É igual cuidar.

Para outros,
Dar o cu.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Retrovisor

e nem por um triz;
mas por dois:
quando você veio
e quando depois se foi.