quinta-feira, 31 de maio de 2012

Considerando

não é deus quem cria
o mundo o nome o queixo da filha
o vestido as coisas bonitas
a rua a rosa o amor de maria
a chuva de gotas sem rima
em minhas duas mãos vazias
a pedra que em minas caminha
a itabira que guarda adalgisa
lili e fulana e folia
e a sombra da miopia
  o encontro da utopia
e quadrilhas
                   em quadras redondas

pois esse tal deus
já ficou para tia;
pois a poesia
faz quem quer
seja
homem
ou
mulher.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Rotineiro

Li outro dia
que a poesia de Drummond
era ofício;
carga horária e literária

Aí foi que percebi
nas linhas duras, deitadas
nas serifas das palavras
que não sei que é escrever

Não faço mais questão
de letra e ponto final
conjugação conjugal

Abdico da chuva e do amor
esses traumas da escrita
tempo exato do relógio

E me ponho a estar atenta
tentada a toda tentativa
testemunha de tropeços e tolices
a estudar a poesia;
a política e a física
a falta de filosofia:
me proponho.

(caem pingos; eu escrevo
caem noites; eu escrevo
cá em ventos; eu escrevo)
Mas acaba que não escrevo
me acabo cravada em traves

Olhos vendados às venturas
às vivências de poema
e me vendo por poemas circunstantes
circuncidados circulares por compasso
sem história, sem passado nem passante
um apanhado de fonema fácil

Então foi que larguei tudo isso
e fui ver que a vida é bonita
e que há muito o que fazer
e que

        ahhh

Me ponho sem palavras
como quem pensa antes de dormir
mas o sono dos dedos impede os registros
e no dia seguinte não lembra mais nada
só acorda com a sede mais bruta do mundo;

Esquece tudo e
bebe água.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Menina de cá


De todos os tudos, tantos, os fios da meada, as calças com furo, só um sempre é que existia, no meio das incertezas. Daí, as dez estrelas, pouco que seja. Sabia que no céu tinha bem mais que isso, mas as dez já bastavam, e o resto? Era isso mesmo, era resto, era luxo. Barbarita era um amor; mas um amor pequeno - e, não obstante, um amor bem baixo, em comprimento sussurrado. Não que a culpa fosse dela, que nem mesmo era, ela tampouca, onde já se viu coisa dessas; pois vivia Barbarita numa vila pequena, na cidade mas não na cidade em si. Os portões enferrujados eram enferrujados demais e só se abriam de quando em quando, nas horas exatas em que Zé Mandinga sentia fome de pão, coisa que nem sempre acontecia.

Zé Mandinga era; era aliás bem coisudo: a cabeça grande, o pé engruvinhado. Vivia de saracoteios curtíssimos pelos cantos e recantos, ele mesmo um desencanto, e nessas e noutras acabava que ninguém sabia direito o que fazia da vida. É que era Zé Mandinga o mais velho da vila, que por si só já tinha em suas janelas apertadas um tanto de anciões que quando mais moços construíram suas próprias casinhas sobre o chão de terra, e por lá criaram um apego forte, apertado, que nem aos poucos se desvencilhavam do lugar, acostumados que estavam à vida monótona e sabida por todos, que era de todos e a todos pertencia. Zé Mandinga desde sempre fora dos mais avoados, tratando de construir só – e se desse só – o básico da casa, mas fez bem feito, arrumado, os tijolinhos mais alinhados que constelação de noite clara. Na frente tentou plantar um par de margaridas, e no começo até que deu certo, mas acontece que o começo foi um tanto grande de tempo antes. Os dois pés de margarida foram caindo, torteando, até que as pétalas tocaram o chão. A partir daí, elas todas – tão poucas – viraram também chão.

Também a partir desse aí foi que ninguém mais partiu da vila, e Zé Mandinga abriu mão da escassa jardinagem, decidiu por se voltar aos livros muitos, demais, e se embrenhou nos misticismos. A partir daquele aí foi também que todos os moradores se adaptaram à convivência com os insetos, que nem se importavam com a ausência de plantas quando tinham, em toda casa toda cozinha todo bem-perto, vasilhames de açúcar ou de coisas com açúcar para matar saudade do que nem se lembra. E, por fim, a partir daí, um pouco depois, as mulheres pararam de parir, e só sobrou o nascimento de Barbarita, impunemente festejado em cada número da vizinhança com uma alegria pouca, mas um tico maior do que já se tinha por ali.

Daí Barbarita virou menina e moça ainda não, porém já menina era quieta em sussuros, um algo além das quietices de menina que não pode isso nem aquilo nem um nada, não pode nem sonhar com fada nem brincar de espada. A vila nem tão pequena era, mas nem por chuva de milagre encontraria ela algum dos senhores com ancas de brincar de bambolê ou joelhos para correr em pega-pega. Aí ficava Barbarita quieta, aos cochichos, aos cochilos, cantandinho pelas portas das casas vizinhas, fingindo não estar atrás dos biscoitos de leite da Dona Norma ou dos desenhos que o Velho Célio riscava num caderno antigo de folhas destacáveis, para depois ir na casa do Seu Mendonça, como quem não quer nada, para pegar emprestada a caixa de lápis de cor que o homem guardava num caixote de lata azul. Pegava, pintava na mesa da cozinha e deixava o apontador no outro extremo da mesa, para se forçar cada vez mais a não quebrar a ponta do lápis dos outros – tamanho desrespeito diminuir o que já era pequeno, pensava sem querer a diminutiva Barbarita.

 Ô seu Zé, seu Zé Mandinga, Zézínho Senhor...

Ele já dizia não, não mesmo, fora de cogitação, e reclamava das artrites e artroses e de uma ou outra tosse, e continuava a andar pra lá e para mais lá ainda por dentro dos portões, pensando na vida, arrumando torneiras e catando tatu-bolas – isso o que todo mundo via, que uma parte ele sumia e ninguém entendia nada, essa história toda de mandinga.

 Mas seu Zé, seu Zé Mandinga, Zézínho Si'ô, o moço do sorvete acabou de passar ali na rua, não viu?

E não, não mesmo, fora de cogitação, “ô menina caspulenta” e ela reticenciava com um risinho breve semibreve mínimo quase semínimo mas nem tanto assim porque tinha que ganhar confiança de Zé Mandinga.

 E não por quê?

Ela perguntava quase que em sopros, envergonhada, na tentativa final e ganhar uma fração de dia. Mas não, que ele já havia feito as compras e ela não tinha nem porquê nem autorização de sair. Barbarita não insistia; dava meia-volta, volta-e-meia ia dar, e calava a própria voz rouca, meio arranhada de quase nunca falar. Os velhos ficavam diatodo quietos, pairando entre cortinas, e as flores falavam baixo demais para Barbarita ouvir; os únicos que respondiam eram os gatos vira-lata, matusquelas e quebradiços, que ora brincavam ora soltavam só resmungo ou camundongo na porta da casa, e assustavam mesmo que sem querer, sem ferir.

A noite caiu cedo e o barulho emudeceu como de costume, ao paradoxo contrário da cidade pisca-pisca: tudo se apagava na vila, e ressonava com cuidado de não acordar os outros, e do lado de lá do portão os postes de rua iniciavam sua brancura de abajur, que de longe se enfileiravam, na ideia de que uma só lua não bastava para contentamento geral. Dormir parecia um impropério, desperdício, despertável, navegável, mas a janela fechada da pequena, que se abria (quando aberta) para o muro arrastivo, não dexava passar nem os tais dos gatos, que cantavam e pediam e repetiam do lado de fora, em coro desaforo pelo menos para espantar maus agouros. Daí ela dormia cochilando, sempre cochilando, cochichando sua rouquidão.

Zé Mandinga acordava mais cedo que todos para ficar pensando muito sobre as coisas do mundo, os tijolos, os cadeados, as calçadas mal projetadas, o resto de erva daninha que insiste em sempre infernizar do lado de fora, bem na porta do portão, o que se passa com Dona Luzia que anda meio louca e ruim e moeda, e o que se passa com os escombros do Haiti e com o que lê no jornal por conta própria. Na verdade Zé Mandinga é respeitado por todos os moradores da vila e na verdade de verdade é assim meio mal-visto, meio tido por ridículo, por se encafuar por aí, por pensar um bem tiquinho, por sumir e ser mistério e ser dos moradores o mais sério e velho e inquieto e por ter construído o próprio teto sem uma goteira sequer nunca na vida. Pois o homem entendia tanto que quando amanheceu saiu voltou como que ressucitado, citando cantoria de modinha antiga, trouxe pão e coisa dos que pediram tal favor, esperou dona Marícia voltar de algum lugar e fechou as velhas grades de novo à chave. Sentou no banco de sua varanda e esperou, separando feijão.

Complicada essa técnica de separar o feijão – demanda olho e frieza, mão rígida e desatrapalho para não tirar nem deixar de mais, o que faz mal e o que é só meio feinho. Zé Mandinga durante o separo do feijão não só pensava: raciocinava, tinindo, atinando, e tudo que saía dependia do dia: às vezes feijão problemático de menos, à vezes demais problematizado. Quando Barbarita acordou e saiu da porta fininha de sua casa, do lado mais pra lá, sentiu o ar friorento, desventado, voltou-se e revoltou-se sem rebeldias, aturando a suave gelidez. Andava lenta, apertada em si mesma, e foi chegando até a soleira de Zé Mandinga com uns fiapos de tecido colorido para se distrair. Ele de pronto entregou um envelope branco, feito de papel grampeado, e de lá ela retirou com olhos baixos um folheto bem chinfrim, em preto e branco e papel jornal, do circo do litoral, que chegava para temporada.

– Eles já montaram tudo, a lona e tal e coisa.
– É de dia?
– De noite, lá pro comecinho, mas já noite.

Barbarita ficou quieta, roçando os mindinhos nos feijões já escolhidos. Olharam uma pro outro, outro pra uma, uma pro feijão, feijão pro outro, feijão e todos e o feijão podre escondido sem olhar para ninguém. Zé Mandinga ficou impassível como sempre, os pêlos da sobrancelha beirando tocar os cílios, enquanto a menina visivelmente fechava a cara. Os labiozinhos inocentes, sem nem saber o que é lábia, labuta ou máfia, se trancaram enquanto o olho baixo se encaixava em outro ponto sem importância alguma, em fuga muda. Barbarita se subiu numa raiva enorme e roxa, por completo ilustrada, maquinando maquinando maquinando na cabeça pequena de pessoa pequena que era e seria por mais um bom tempo. Ergueu a mão num lance rápido – num átimo – e fez jorrar os feijões já selecionados direto ao chão, em mistura mais-que-pura aos grãos podres e renegados. Zé Mandinga não estava de todo perplexo; no íntimo sim, embora por fora se forrasse sem foco na velha cara de máscara, parada, idosamente desvairada e também um pouco caída nos lados. Prosseguiu sentado enquanto a menina se levantava e arrumava a velha saia de veludo que se engruvinhava à aridez da meia desfiapada.

Ela se sentou no canto mais longe, na ponta dos longos degraus, onde ficou se remoendo na mudez matutina, matutando enrouquecida. Achava um absurdo aquilo tudo, a pensar que aquele Zé Mandinga era mesmo um homem ruim, ruim de todo, pois porque mostrar o tal papel se de nada serviria, se ela não poderia ir ao circo nem de dia e imagine só durante a noite, e se ele que podia deixá-la sair não deixava nunca. Era mesmo um sujeito ruim, só podia ser, para fazer piada assim da cara dela, onde já se viu pior humor em cima de criança menina, que nem ao circo podia ir nesta vida?

O resto do dia se arrastou feito vestido de noiva abandonada no altar. Desse modo, arrastado e arrasado, se esvaiu na noite que dormia cedo. Barbarita desde aquela hora não trocou sequer palavra com Zé Mandinga, que ficou só olhando de longe enquanto fazia suas aividades do dia: distribuía mantimentos pelas casas, trocava ideias com a vizinhança e com a sua nova muda de azaleia no jardim, consertava um fogão uma pia um motor de motocicleta e sumia por aí – bem mais aí que se encontra por lá – com um plural de livros por baixo dos braços esqueléticos.

Durante a noite, as luzes da vila se apagaram e não adiantou nada. O resto da cidade estava inteiro acordado para ver o que ia acontecer no circo, que nunca antes havia aparecido por aquelas desconhecidas – quase sumidas – bandas. Mas nem tudo ainda estava pronto, um corre-corre ao redor da lona estendida evidenciava todos os artistas em si mesmos, ensimesmados em conjunto, limpos de maquiagens e figurinos coloridos, atrás de escadas e fios e fitas e paetês e mais uma porção de cacarecos que ninguém além do mágico sabia direito para quê servia. Barbarita de sua janela não via nada, mas pelas frestas de sobre o muro um pouco de luz e burburinho chegavam. Dormiu rápido, num tris tristonho, de angústia recatada, e não falou para ninguém nem da graça desgraçada de Zé Mandinga, a quem a partir daí ela iniciou uma missão de mau-humor, nem do circo que chegava. Parecia até que tinha vontade de sair há tempos vários antes, e pisar em cocô de cachorro alheio, e soprar dentes-de-leão nascidos no canto das calçadas, e atravessar a rua de mãos dadas e ver por acaso o instante exato da noite em que os postes de luz se iluminam. Essa vontade, porém, só apareceu em seus olhos naquela tarde passada. Já tinha visto o circo na tevê, não o circo propriamente dito – o símbolo, o ser, o estar do circo em circo, circo em si –, mas um ou outro malabarista nos programas de domingo, ou num filme desses de cachorro que passam durante a tarde.

Tanto faz como acordou e como passou o dia, pois continuou como estava antes, descontinuada e contida, descontaminada de um quê que ninguém sabe – ninguém lembra. O importante é que deixou Zé Mandinga de lado, e só o viu quando o tal tocou sua campainha para entregar o pão de sua mãe. Ela pegou o saco, soltou um murmúrio de obrigada e fechou a porta sem nem tempo de respostas. Depois o dia se acabou e os barulhos do circo, mais fortes do que a véspera, pareciam esperar-se para a chegança de Barbarita, com um tanto de alegria que não tinha. Dava para ver do lado de dentro do portão, sentada na soleira da casa, do outro lado as crianças passando com o pai a mãe a avó o avô ou quiçá a vizinha carente, todos de roupa de domingo que Barbarita só usava nas rezas dentro de casa, porque de lá não saíam nem para a igreja cujo menino santo a mãe tanto estimava desde que a mãe dela a ensinou a estimar.

– Bárbara!
– Hum?
– Jantar, vem.
– Tá.

E ia. Ia indo, gerundioso passo a passo rastejante porém de pronto ali, quando virou para trás e viu a bicicleta amarela, que há um quarto de hora havia passado reto pela rua, voltando e parando bem na frente do portão, encostada e visivelmente bem-cuidada (como dava) por um rapaz alto, de ossos opacos ante a pele, meio desarrumado, com ar de desamarrado. Não tinha bochecha quase, de tanto esfomeamento acumulado, daquela hora que chega que, de tanto vazio na barriga, a fome desiste e passa como coisa simples, como chuva de verão, e assim se segue a vida vivendo, vivendo, vendo, indo. A coisa foi rápida, o tempo pouquíssimo de o tal do moço parar, deixar um papel entre as grades frias do portão, tocar a campainha uma vez duas vezes e sair direto, sem nem para trás olhar. A história ia ser de amor, Barbarita a pulular até o portão velho, acabado, e pegar o papel onde estariam muito bem caligrafadas as palavras de algum poema belo e platônico de doer os olhos, cada letra mais redonda que a outra, respeitando a margem da folha de carta muito da bem pautada. Ia ia ia iria ninguém ria porque ninguém estava por ali naquele instante oportuno. Quieta saiu correndo, quieta voltou, desacalmada, com o papelito dobrado na mão. A mãe, àquela altura, cansara-se de chamar e fora até a porta descobrir o que acontecia que a filha ora bolas nunca foi de muito atraso, sempre veio em hora exata. De forma que Barbarita só o que pôde fazer foi soltar sem querer um soluço de angustia pareceu um arroto suave de certo modo – ou de falta de modos que tanto a mãe implicava. Não podia encostar os cotovelos na mesa, que coisa feia, e assim de mãos sob a mesa foi que abriu o papel e não passava de mais um chamado ao Circo do Litoral, dessa vez oficial, e o tanto de tons de cinza economicamente mal impressos dava a entender que ao vivo as cores seriam muitas. A mãe não estranhou, e logo mandou que a filha fosse dormir. Ela ia de qualquer jeito, que a vergonha não a permitia abusos de pedidos, e ainda mais para o durante a noite! O céu estava frio naquele tempo escuro, encurvado, quase turvo. Mas do lado de fora, ah! do lado de fora. Do lado de fora não era nada que um gorro na cabeça não arrematasse. Não era frio de matar nem morrer, isso sim muito menos, mas na sozinha vila incomodava talvez bastante além do que no resto da cidade. Deitou e esperou o sono, as persianas de madeira abertas e o vento beijando o vidro em logo primeiro encontro direto. Do sono não vinham nem os carneiros. Deitou e esperou os gatos, nem unzinho chegou. Deitou e esperou o beijo da mãe como se tivesse beijo além da benção no pé da sala. Piscou e piscou mais lento, brincando de ver chegarem os cílios frente aos seus olhos opacos, fortefracos como caco de vidro. Aí começou a música e apareceram por cima do muro as dez estrelas de cores amarelas, vermelhas e roxas, rodando pela refração torta da janela. Só acordou no dia seguinte e não contou para ninguém. Não fez questão de falar com Zé Mandinga, mas sentou em sua soleira para olhar sem parar o portão, até que a chuva largou seus primeiros pingos. Se assim continuasse, seria a próxima noite uma solidão sem estrelas, nem uma duas dez. A noite que se seguiu dormiu rápido, desmantelada, antes de o circo se arranjar e estrelar. O céu, um papel molhado, caindo pedaço.

**

Já na última apresentação da semana, o portão enferrujado se abriu de leve depois das oito da noite, mas abriu bem pouco, o suficiente para passar escondido, depois de uma ou outra conversa, o corpo magricela de Zé Mandinga seguido da pequeninice de Barbarita, de roupa bonita para ver de perto as dez estrelas e o riso de dentes e a pipoca desdentada e quem sabe até ver de longe o tal rapaz daquele dia, em segredo absoluto. Mas dele último só achou a bicicleta amarela, num canto molhada, esperando rouca e quieta, a olhar para as luzes restantes do lado de fora da lona, na cidade inexplorada.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Sesta

(sobre o de García Márquez)

dia desses me vi sonolenta
piscar lento
desatento
em releitura do relento
me deitei sobre um bom livro
nas palavras desmedidas
despudoradas
em cada letra deitada
nas curvas, tipos de leito
(qual leite morno antes do sono
não muda nada
e afinal bem faz dormir)

já quase dormia fundo
assobios no nariz
os dentes se entreolhando
de cílios (c)errados
compenetrados sem pudor
na capa da pálpebra

pois perdi a minha página
e não sei mais onde estava
para onde foi o parágrafo
semáforos em que parei
antes de raiar o dia
antes de cair a luz.

domingo, 13 de maio de 2012

Trilhos

parei
para pensar
perdi o trem

fiquei por lá
fui bem além

para onde?
já nem mais sei

mas continuo contudo
contente descontentada
exponencial cotangente
a tanta gente
ao mentecapto
sentimento
até que o próximo trem
chegue.


quarta-feira, 9 de maio de 2012

passarinha

ma(is
colibri
curió-sa
anu-dez
noitibó: noite e só
rouxinol
saurá castiçal sarau
pequeti-tico-tico
mim-ti-tuim
realejo
bem-te-)vi
por entre as roseiras.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Navegação

ri ma
        ria

e baila
na baía
dos gracejos

e faz a mala
choro muxoxo
comida entrouxada

e canta mar afora
mas canta feio
e para a canção no meio
ah que pena
mas prossegue

chega noite
lua cega
de tão grande olho branco
que ri triste manco riso
e pisa na água
e desliza nela
maré

mesmo (as)sim
re mar
          ia

e foi.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Poema de quebra

se o quarto está escuro
pega um prego e martela;

a luz vem do furo
que é,
de quebra,
janela.