quinta-feira, 27 de junho de 2013

Saudades de minha mãe

quis voltar, fiquei.
fiz feliz, mas não a mim.
de que vale tudo isso?
os sóis que partem,
as ondas a chacoalhar esta ribanceira.
vê? até os sóis partem!
e então se repartem em mil
quando passam pelos caleidoscópios de mamãe,
sua diversão diária, infantil e imatura.

seu barco se foi.
foram-se os sapatos
que guardava ao pé da cama
em desejos de promessa
não cumprida, coisa louca.

foi-se a boca de cor incolor
e os cabelos bem presos à nuca
que nunca permitiu-me pensar
na solidão em estado sólido,
permeando meu corpo todo
virginal petrificado de bom filho.

só me deixou às intempéries
sem documentos em mãos
sem décadas de experiência
ou noções de decência.
minha vida aqui largada
meus olhos, meus óculos, a camisa
às traças e às catracas da fronteira
no novo país.

por isso e por tudo o que lembro
marejo os olhos
toda vez que a vejo.
mas nunca vejo.
sobrou-me, o que? uma foto.
como eu, o resto do poema fica para trás
e nunca mais se recompões
clandestino, atracado na popa de seu navio
até que eu me afogue
ou que volte.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Mônica

Quando ela nasceu,
nasci eu
ainda que não tivesse nascido.

Quando eu rio
ria ela,
a gente não se aguentava
de dar gargalhadas.

Até que em abril
ela: Rio
(de Janeiro)
e a gente chorou
mas chorou bem pouquinho

a ponto de rir no final.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

O cão

cego
o cão atravessa a rua
o cão
no chão quente, no asfalto
que mente ser céu
e tudo
de ponta cabeça
aos olhos sem olhos
do cão amarelo
torto e esbelto
que some
que fome!
debaixo dos carros

ou será que são os carros
tratores urbanos
catarro de ar poluente,
será que são
os carros que surgem
por cima do cão?

vermelho, o cão
de olhos vazios pedindo
fechem-me.

terça-feira, 4 de junho de 2013

As linhas das mãos

as mãos não eram,
desde o princípio,
de todo, mãos.
às mãos de minha mãe
não custava levar-me ao colo
quando eu era criança.

mas as suas são diferentes,
as suas mãos,
mãos de cinco dedos
cinco unhas
cada uma
são as mãos somente suas
que te fazem fazer
tudo aquilo que faz
e de mil propósitos me encanta.

porque de todo o tempo
que juntos passamos,
cresceu sobre nós
de maneira inexplicável
o tamanho de nossas mãos
e cada qualquer motivo
para suas novas funções
que nos felicitam em dias
de chuva.

suas mãos,
imperfeitas e tortas,
de dedos delgados,
avançam e agarram
me dão de comer
nas horas que peço.

como se fossem
mãos de cetim
desfiando, aos poucos,
as linhas da vida
em meu corpo inteiro
e nu de destinos.
até que eu nunca pense
nem chegue a morrer.