segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Às vezes

às vezes
as vozes 
se calam
e lacram-se
aos vícios
dos vasos
sanguíneos.

domingo, 21 de outubro de 2012

Fogueira

de datas e dias marcados
janelas cortinas espasmos
faz escuro nessa noite
de todos os fogos
- o fogo -
de onde vem minha gente
e o sono da brasa laranja
na nossa noite de paz

dente tantos entrementes
de dores sobremesas e sobressaltos
faz falta um resto de céu
nesses meus gestos de amores

falta faz também
algum gotejar qualquer
nessa agonia sonora de chuva
vento que aumenta e dança
chama atenção
                          sem ser convidado

pois nunca amei nenhum Pedro
nunca visitei Petrópolis
muito menos Pretrogrado
não cogitei suicídio
(por enquanto a vida é boa)
e nem sequer d'uma carta
esperei resposta

pois não tenho afinidade
com nada que seja infinito
(infindável e inferível)
tudo isso que me deixa
deixar para depois,
que me faz
perder a hora

como a janela que perde o solstício
e a estrela que foge
dos olhos de vidro.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Joanas

hoje-agora não é dia
pra rimar memória antiga,
pra declamar más notícias

hoje-ontem já foi
desde as mãos
condoeu-se e caiu
quebrou as pernas

ontem, ontem
semanas passadas
pra quê tantos ontens?
justo a mim
que não tenho nada
nem calada me contento

não sei das joanas que habitam meu ventre
ou se é a maré
a confundir cada lua
fazer uma cheia nos olhos
de tudo que acho
e não sei.

os pontos marcantes dessa meia-noite
disseram que hoje é também
a_manhã
como se tudo embora se fosse
menos esse pingo de dúvida

que me enche o saco.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Metrô

Uma velhinha sentou-se ao meu lado. Ela era pequena e falava baixo, de um jeito mole, mas sempre sorrindo.

- Sabe a propaganda da Ultrafarma?
- Desculpa, oi?
- Pro-pa-gan-da da Ul-tra-far-ma. Sabe?
- Como ela é?
- É assim. A mulher grita "Aristides, não esquece o guarda-chuva!" Eu te vi sem casaco e pensei "Aristides, não esquece o casaco!"

Rimos e conversamos sobre guarda-chuvas e sobre o clima, atéo trem parar na Sé, onde ela selevantou.

- Tenha um bom dia!
- Desculpa,oi?
- Te-nha-um-bom-di-a!
.
.
.
tive.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Conceição

há pouco conheci Conceição
comedida, desconhecida
convivente covalente em covardias;
questionou meu nome
e minha sede
os olhos baixos a pairar no chão
em descanso e descaso
diálogo envergonhado

me tomou o rosto
me arrancou as placas das ruas
e permaneceu calada
no estreito imundo da calçada
poeta sem alfabeto
comigo por perto
e
decerto:
desespêro e desespéro
Conceição se pos a chorar nas palmas das mãos
me olhou em último
(lástima!)
saiu a correr seus casos
seus sacos de pão
e eu ainda sem os mapas que me levam para casa
e sem Conceição
pois dela nem sei
se é uma
ou se são várias mulheres
escondidas nos botões de Conceição.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

A Noite

Hoje a lua acordou míope e não pôde ver os olhos de Luiz. Era escuro ele, esfumaçado, rapaz calmo mas em alto e bom tom; pequenas orelhas e boca larga, na esperança-dúvida de pardo. 

Hoje a lua acordou alta, gigante, maior que o polegar de qualquer pai. E justo hoje, justíssimo justamente, ela se esqueceu dos óculos finos que mal a mal se encaixavam na alvura arredondada de sua face. Estava míope ela ao mundo e, entrementes, sem mentiras, o mundo a ela, revestido da translucidez das nuvens moucas. Não choveria nesta noite clara, ainda que precisada de gotas de água, das bem gordas, sobre os ratos e telhados. Luiz, em sobreponto, chorava calado um chorinho incolor, ensimesmado, por onde jogava sobre si mesmo todas as culpas do mundo. Vez em quando lhe dava esses ímpetos de choro: se entristecesse frente aos outros, só chorava depois quando só, em ruas desertas ou nas madrugadas de cotovelos duros sobre a mesa da cozinha. Luiz fora sempre assim, amanhecia triste? não contava a ninguém. Segredava em manter rastros, restringia-se ao silêncio dos riscos. 

Hoje a lua acordou chateada porque quase cega. Mas triste, triste-triste não estava, triste de verdade isso não, não podia. Porque ela sempre foi o mais branco dos pronomes, não por própria culpa, mas por assim refletir as luzes claras. Por sua brancura, não tinha razão de entristecer. Quase-cega, sem paisagens e posturas e pestanas, fechou os olhos para a cidade escurecida em desestrelas. Desistências? Não se ouvia cousa alguma – sapatos de salto, cochilos, cochichos, risadas – nada afora o soluço que escapou dos grandes lábios de Luiz. Não via, porém, se era bonito ele ou feio, se tinha charme ou graça, se magro ou gordo, se branco ou preto. 

Soubesse ela falar, talvez diria a ele que parasse de tristeza com calmas de choro, que esquecesse toda dor. Mas não disse – porque é muda, não sabe nem cantar. E porque é, acima de tudo, uma lua branca e não pode por isso saber tudo o que já passou a pele escura de Luiz. 

Pouco pensou antes de descer ao chão e fazer subir a maré. Foi com calma, paciência, perolando seu trajeto noturno onde, nas ondas geladas, nadou junto do rapaz por toda a noite. Cada passado instante era que a lua mais e mais se aproximava para enfim ver os trejeitos de quem chorava na noite muda. Os instantes se passavam em parecência cada vez mais ligeira, chantageando de manhãs, e ambos, seja Luiz ou seja a Lua, esmoreciam de leve, aos poucos. Como quem não quer nada. A luz do farol aparecia por trás dos corpos intocáveis pela própria transparência. Entre eles dois, não se tinha mais tristeza: não se tinha mais branco, não se tinha mais preto. 

Enquanto isso, um ou outro por aí insiste dizer que a escuridão na pele de Luiz e maldição, desagrado divino, pobreza, algum fato merecido de, primeiramente, xingos. Também os mesmo são que escancaram os bonitos passeios marítimos da lua como se fossem sumiços por eclipse. Esses todos, que dizem e dizem, nem tem o que dizer, ai. Mal sabem eles as lindezas da volúpia transparente.