quinta-feira, 23 de maio de 2013

Coube em mim o universo inteiro


de tanto não poder dormir
lembro que existe o mar e existe a Bahia
lembro da areia do Chile e de outras estradas rodadas

e lembro do cão
que vi se esgotar na terra batida
sob a carga de um caminhão brutamontes
as rodas manchando sangue pela rota
até se esquecerem.
e lembro do cão
o cão de pelúcia que me abraçava
quando eu, pequena, deitava na cama
e dormia de vez
como se por horas
piscasse
no pêndulo parado de um relógio.

de tanto ter que cedo acordar
não pude dormir
até o dado momento.
olhos abertos de olhos para cima
ao teto escuro, à janela fechada
olhos abertos como que fechados
achados no rosto, a serem perdidos
no sonho que não chega nunca.

o olho fechado
pensa estar bem aberto
como a mais nova luneta
de um planetário chileno
sob o controle apagado das luzes.

ali
é uma estrela?

não, é Netuno
nos meus pensamentos noturnos
de tanto não poder dormir.

domingo, 12 de maio de 2013

Urubuqueçaba


Num salto de sombras
voou o urubu em pleno dia
de carnaval e folias
por entre os grãos de areia
a trespassar suas patas sujas
e sem brincadeiras

pisava torto e sem jeito
o animal de defeitos
à caça de lixo e de queixas
do podre das maçãs
e do sal presente nos restos dos flocos de milho

depois, com certeza,
cagava o lixo do lixo
o podre do podre
a sujeira em dobro.

as crianças pequenas
arregalavam os olhos
já da infância arregalados
e davam meia-volta lotadas
de medo
como se fosse o urubu
o vilão de todas as fábulas
(e quase era mesmo)

o pretume do passarão o trajava em uniformes
tal qual vestimenta de polícia
ou de segurança assassina.
ele alçou voo, batendo forte as asas
e poderia inclusive batê-las
sobre a cabeça de alguém.

no céu de praia festiva
um mar de urubus se encontraram
em ronda sobre tudo que havia
os picolés e amores
as revoltas mais íntimas.

botaram no povo
um medo danado
e, depois, cheios de si,
voaram todos, urubus, à ilha Urubuqueçaba,
o seu quartel-general.