segunda-feira, 28 de junho de 2010

Canto do desejo


Ninguém nunca viu uma flor de caqui. Ela também não. Tenho certeza, e boto minha mão no fogo, que todos têm um desejo, qualquer que seja, inexplicável como os que têm as grávidas, daqueles que florescem do nada, que brotam em meio ao concreto, vindos diretamente das lembranças mais profundas de nossos tempos de moleques perguntadeiros. O dela era este. Pois se há fruto, há flor. Se há flor, há-se. E se há-se, ela pode ver. Não só pode como deseja todos os dias, em ideias curiosas, agora também de meninas-moças. Meninas-moças querem a vida. Ela, tão menina-moça quanto qualquer outra, sabe que toda menina-moça é uma, uma diferente. Ela, menina-moça, quer sentir uma flor de caqui. Em sua cabeça apaixonada e vírgula, sua flor de caqui sofre de crescer, madura mesmo em florescer, colorida de manhãs alegres do existir e só.

Já buscou em livros mil, mas para ela, eles quase diziam, na ausência de existência, que direto floresce o caqui. Não é, ela sabe que não. Há-se. Os pais sabiam, mas não lembravam; fizeram-se esquecer do motivo de tantos livros empoeirados, de solidão e biologia, espalhados pelo quarto de menina da menina-moça-menina deles. É certo, ela nunca foi de falar muito sobre seus subjetivos. É certo, ela sempre foi meio difícil, mas também é certo que todo mundo é um meio difícil. E seus olhos de gude diziam por si só, pediam mesmo quando o ela que não é tão ela não lembrava mais do assunto. “Flor, flor, caqui, caqui”. O problema é que pediam em língua outra, língua de quem vê os olhos, língua de quem mergulha e entende sem saber. Língua que só os loucos e sonhadores entendiam. Ela sabia, mesmo sem pensar – porque para isso não precisava pensar – que os tempos são difíceis para os sonhadores. Mas todo mundo é um pouco difícil.

Corria aos parques e jardins, onde conseguia soltar palavras para perguntar, e perguntar mais e mais, e enviar cartas a especialistas, mesmo estas nunca sendo respondidas, e convencer seus olhos mendigos que era tudo erro do correio. Onde há?, pois se há fruto, há flor. Não soltava era o seu desejo, que cantava sussurros em terno desespero pelo olhar.

Um dia, veio, como folhas amarelas do outono. Folhas amarelas do outono, secas, frágeis e quietas de solidão marrom e leve, leve só porque o ar conduz. Seus olhos de menina-moça se fixaram em cada pétala, no caule, no descheiro que para ela existia. Ela não percebeu que, quando a flor chegou em suas mãos, não tinha as cores dos dias alegres. Não percebeu que seus olhos se confundiam, queriam ver quem pertencia as mãos vividas que tocavam as suas, entregando a flor, queriam querê-lo mais e mais, olhar em seus olhos que poderiam também querê-la. Poderiam, ela não sabe por que não via, porque repreendia seus olhos que brilhavam dias mais aflitos que alegres. Os olhos subiam, ela arrastava-os à flor, somente à flor, aquelas mãos deveriam se tornar desimportantes. Havia sim percebido que a flor não era assim tão bela, não tinha cores de dias alegres, mas não poderia dar o braço a torcer, era ou não era o que ela sempre quis? E era. Enrubescida, gaguejou um obrigada, disse seu nome, foi embora em rodopios de dúvida. Aquele mistério resolvera-se. Desabrochou um outro, intenso e de cores de dias sentidos. Não sabia quem, por instantes de milênios, amou. Não sabia se devia estar feliz ou triste. Ou alguma outra coisa, sem nome nem definição, só sentindo só.

(Nov/2009)

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