terça-feira, 31 de agosto de 2010

Conjugação


...e assim foi embora. Não que fosse das mais importantes. Não que fosse das melhores ou mais competentes. Não que tivesse grandes epopéias ou pudesse contar uma odisséia. Foi embora assim seca, assim crua, assim sem grandes dores. Na verdade, foi embora estática no lugar (já que tudo depende do tal referencial). Sem desmanchar-se no ar paulistano, sem qualquer brisa piegas (que já não passa de briga com a linguagem). Só sumiu, sólida, insólita, numa solidão momentânea. Assim ao deus-dará, logo seria recolhida pelos passantes necessitados de quem possa acolhê-los. Não vi quando se esvaiu de minhas mãos porque o calor equatorial pede abano, e não apêndice ou carga. Eu matando saudades amigas com gente das antigas, e ela lá, vermelha e quente, enrolando-se a meus braços, pedindo: carregue-me, por favor!, não me esqueças, pois deves lembrar que de estações é feito o ano e o caminho de trilhos!, que minhas formas e dobras de algodão doce já se adequaram a teu corpo também nem tão perfeito!, não caibo em pretéritos, mas até que aguento alguns meses em um armário, sabendo que voltarás a me abraçar por cima de ti! 


Não dei muita trela, o calor naquela viagem me estonteava, a saudosa colega de escolas passadas me contava de presentes, duvidosos futuros de pretérito, ríamos de imperfeitos passados nostálgicos, e havia uma quantidade um tanto quanto absurda de belas moças no específico vagão. E ela ali, pedindo um envergonhado suplício, acalorando-me mais ainda com seus fiapos e botões cor de batom. Eu levaria ela comigo sem pestanejos, admito e confirmo: não era má assim, e me dava muito gosto quando eu pedia proteção de ventos cortantes. A verdade é que sou malagradecida, é isso mesmo o que confesso. 

Desci do trem em alegrias férteis e caminhei pela avenida de artesãos, empresários, amputados, estudantes e modernosos. Aquilo estava cinematográfico demais, eu já devia ter imaginado. Os passos em compasso, a sincronia do piscar alheio com o mastigar de uma senhora acolá. As esquinas continuavam, todos semáforos a meu favor! E então, num mais-que-perfeito que parecia mais um imperfeito, conjuguei a rotina do dia, passo a passo, em análises de nossa relação quase conjugal dos tempos gelados, mas só vi a ausência dela, que agora esperava que alguém a catasse em alguma estação, num entupir-se de sangue, hematoma, que na verdade era a cor dela mesmo: como diabos fui esquecer a simplória blusa vermelha, de lãs tracejadas, no metrô? Oras bolas.

E afinal, tudo isso teria sido mais belo (porém não menos corriqueiro) se ela tivesse voado do varal, dançando e apontando a direção do vento, passarinhando com tom de pirata, os pregadores ao chão, vencidos.

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