sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Do nosso sertão rosado


A saturação cresceu. As folhas secas de mentira carregam, mascaradas, mais poeira concentrada. Isso tudo não passa de falsa pigmentação. E o céu, ah céu!, de limpeza ancestral, azul desnuveado, desnudo. Justo hoje, dia pós. Pós-fogo, pós-bichos, pós-estrela, pós-causo, pós-causa, pós-coisa, pós-chapéu, pós-gado, pós-pó - eu bem sabia que esse sertão tinha algo de ressurreição. Pós-pretérito, pré-São-Paulo . Agora, esse agora tão falado, esse mesmo, agora já foi: já foi vãn, já foi cantoria, já foi saltimbanco, já foi de leite, já foi cão, já foi alpercata, já foi charminho, já foi maçã. Na-na-não. Descobri no fundo de minha mochila sertaneja uma última maçã, vermelha feito sangue de tiro jagunço, que eu catara para uma última vereda, uma andança final nas estradiças de Cordisburgo, em algum lugar desse pontinho cartográfico que é o coração. 

Sentei-me eu meu chão de tacos paulistanos empapados de verniz (estar à burguesa cama parece agora ainda mais impossível). Cá eu rasgo dentadas de onça em minha maçã-resquicio, que sobrou de alguma trilha sem fomes. Já algumas escuridões invadiram-na, já umas sombras chafurdaram a velhice (Rosa, presente em meu fruto, já completou centenário). Mas é boa, assim dessas que dão gosto gastar mandíbula. A maçã, resquício das terras empoeiradas que tanto amei, encroquece o céu da boca, sem qualquer trejeito de areia, essas coisas que odeio mastigar. A maçã é mar em cor do sertão. Naveguemos no mar mineiro, agora já, nessa São Paulo que me devora e alimenta, edifica-me. 

Se fizeres um esforço, dá pra ver a olho nu, lá pros bandos da semente: eis que, nesse oceano do mais fresco pó, o calado homem do bote, outrora de sentidos vendados, desdiz-se, desdói-se, e descobre onde está, enquanto cantarola com grossa garganta, em tom de berrante: "Ninguém de mim, ninguém de mim, tem compaixão, tem compaixão." O bote não passa de viola; resta seguir as cordas afinadas para achar os tais caminhos. A maçã acabou e se desengoliu, enquanto a semente eterniza-se comigo, acá junto de minhas palavras de brasa, nessa tal terceira margem. O resto, a gente intui.

(07/09/2010, Cordisburgo, Minas Gerais)


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