segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Pajarito


À Paula

Há quem confirme feliz
o voo de todos seus amigos
mas meu querido pajarito
tem como habitat o solo

não por falta de quereres
nem descaso ou preguiça;
ainda é época de ninho.

Certo dia em tempestade
de seu berço foi ao chão.
Flor de jabuticaba (que pena!)
deixou de ser sua jardineira.

Sob as gotas grossas grandes,
aos predatórios perigos felinos,
pajarito desespera, e pia pia pia
"Que mamãe me acuda, que papai me salve!"

Mal sabia o pequeno infante
que o quintal onde se achava
era parte de uma casa.

Poderia ser cadeia ou manicômio
poderia ser abrigo de insensíveis
mas, thebaida, lá viviam três mulheres sábias:

uma velha e duas filhas
de coragem, voz, direitos
sempre com curtas madeixas
escrit, estudo e militância.

Bebericavam vendo a chuva
e atentando à proteção da casa
enquanto, sobre mundo, discutiam tese e opinião.

Eis que pajarito se ensopava
seja chuva trovejante
seja saliva dos gatos à espreita
e papai mamãe não sabiam que fazer.

Planando vista com vidraça
o olhar traceja céu ao chão
"Nosso gato tem na boca um passarinho!"

Correm as três em alarde
abrindo espaço entre gotejos
"Gato, largue mão desses desejos;
abra boca antes que seja tarde!"

A bobice do felino somada
à ordem firme das mulheres
fez do predador cair mandíbula:
de lá, tremelicando, saiu em pulos pajarito.

De mãos quentes meio úmidas
acasularam pajarito amedrontado
soltando-o, vívido, dentro da casa.

Com calma, paciência e histeria
descobriram ser filhote
--pouca pena, rabo, bico.

O outro dia amanheceu bonito
feito orquídea em cores quentes
que, sem qualquer aviso prévio
de repente, floresce.

Pai e mãe preocupadinhos
se achegam à janela
iniciam coral: "venha, filho!"

Nisso as sábias, que são sábias
mas não entendem língua de pássaro
focaram vista no olhar do pajarito
e o moleque só encarava janela.

Portas fechadas em casa
o felino no sofá
pajarito esperando os pais
e saltita aqui e acolá (firuli firulá!)

Essa história é tão bonita
que ninguém nem acredita
"Tu és mesmo aflita por mentira!"

Mas eu vi de próprio olho
como pode?, já não sei
"Bicho de bico tem igual expressão todo dia."

Pois vi da ponta nascer lábio
pajarito abrir sorriso
Ao ver planar mamãe-papai
com, em bico, besourinho.

Deu-se início ao hino à vida
mamãe passando ao pajarito
nutriente gosto abrigo

os dois bicos se fundiram
com besouro sendo vértice
currupios ensaudosados
fotografia que guardo em memória.

O mundo das três sábias
num instante era estátua.
(Ninguém sabe mas seus óculos reluziam
Os cem fogos de artifício dos olhos.)

Eis que um dia,
Tão orquídeo quanto aqueles
Das auroras de outrora

o felino achou uma fenda
foi-se ao quintal de faiscância
e lá se deu toda a perfídia.

Pajarito aprendia a voar
a estímulo familiar
mas, ainda em raras penas
saltitava entre mato e primavera.

Eis que o gato pula, ataca
o instinto imperando
orfaniza o pajarito.

Pobre pobre pajarito,
pajarito tão sozinho
covardia pelas sombras
e patas fincadas ao chão.

Pajarito, pajarito,
não te aflijas tanto assim
ainda há casa, sábias, tempo.
És tu pássaro, mas não cuco.

E mesmo fosses tu um cuco
e a portinhola se abrisse para tu voar
haveria mola e tempo para tu te acostumar.

Pajarito, pajarito,
se findou em rapidez
nem deu tempo de chorar.

Pajarito, pajarito
tu que eras um pardal
nem cantou a hora triste
de a corda se acabar.

Hora de portinhola escancarar
pajarito frágil olhar pra fora
ver o tão enorme mundo
e se trancar pra sempre no ponteiro enferrujado.

Pajarito, eu te peço:
salta o tempo e acá rebola
pois por ti as sábias choram.

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