quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Amor Vocativo

- Não acredito, amor! Que presente lindo!
- Você merece, amor. Merece isso e muito mais, no seu aniversário e sempre!
- Nova York deve ser maravilhosa, amor! Quando vamos? Ah, eu te amo tanto!
- Eu te amo demais, meu chuchu! E vamos nas próximas férias. Ainda precisamos conseguir passaportes, reservas de hotel, pacotes turísticos...
- Nossa, é mesmo, pode deixar que eu cuido dessas coisinhas. Obrigada, amor! Será uma viagem maravilhosa, só eu e você.
- Só eu e você, amor!

E eles se beijam feito gelatina de framboesa. E assim, gelatinando, eles passam o tempo até chegarem as férias, enquanto aprontam os ultimatos da viagem. No aeroporto:

- Amor, estou tão ansiosa!
- Você vai adorar os Estados Unidos, querida! Assim como eu adoro você, minha linda!

Em estado gelatinoso, eles se dirigem ao guichê da polícia federal, onde são verificados os passaportes. Tudo certo e carimbado à tinta preta, eles pegam o passaporte de volta. Rumando a sala de espera do avião, a gelatina começa a se dissolver:

- Eu não te amo mais. 
- Amor, pare com essas brincadeiras. Daqui a pouco vão nos chamar para entrar no avião!
- Mas eu não te amo mais.
- Por quê? O que eu fiz?
- Não fez nada.
- O que aconteceu então?
- Eu vi.
- Viu o quê? Amor, você está doente?
- Vi a foto do seu passaporte. Você não é a mulher bonita que eu conheci. Você é horrível. Não consigo amar uma pessoa feia como você. Adeus.

Tão quieta e sozinha quanto entrou no avião, saiu. Ele, que tivesse o passaporte mais belo do mundo; em carne e osso, conseguiu fazer-se o ser mais horrível do mundo. No verão nova-iorquino, ela e todos os assobios e piscadelas. 

Lição para a vida: Nunca julgue ninguém pela foto do RG, da carteira de motorista ou de estudante, pelo carômetro escolar e muito menos pela foto do passaporte. Não há ser vivo que saia bonito naquela maldita 7x5. 

14/01/2011
No ônibus, rumo ao Chile, após passar pela alfândega.

Um comentário:

  1. o problema é que, na véspera de tirar o passaporte, fui ao laboratório de fotografia e pedi para o dono tirar uma foto minha: 7 por 5. fui com uma roupa de que gostava (uma que eu tinha pintado), arrumei meu cabelo rebelde, e sorri. no dia seguinte, saí com minha roupa de estar em casa, com o cabelo com que eu tinha amanhecido, minha típica cara de sono. cheguei na polícia federal e entreguei as fotos do dia anterior. a atendente disse que a foto tinha que ser tirada ali, na hora. POFT.

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