sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Trauma da infância

"Vovó, não entendo. Os seus bolos sempre queimam e os biscoitos do vovô são tão gostosos." A velha, embaraçada, jogava os cabelos para trás, fingia sorriso e emudecia. As crianças, agitadas, botavam mão em tudo. Olhavam as bonequinhas de porcelana trincando suas juntas e as fotografias destrincando as molduras. "Vovó, você é quantos anos mais velha que o vovô?" Os cabelos iam para trás de novo, enquanto ela respondia ser, na verdade, sete anos mais nova. O avô, na ponta do sofá, ria baixinho, provocativo. ALgumas horas mais tarde, enquanto a avó assistia a novela de olhos arregalados na poltrona de cetim e o avô cruzava palavras na cozinha, as crianças brincavam pela casa toda. Correram por trás da poltrona e lá se deu o ápice da história. 

"A vovó é careca!", elas gritavam, ao mesmo tempo que a velha cobria de novo a calvície do cocoruto com a franja branca e o velho, na cozinha, com todos seus cabelos grisalhos, soltava uma gargalhadinha lenta. No dia seguinte, o velho tomou seu café da manhã sozinho, assim como sozinho resmungava, pois a velha, que acordara cedo, se ocupava em revirar as prateleiras brancas da farmácia em busca de um bom tônico capilar.

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