segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Pernas finas

Naquela época, vivíamos São Paulo. Conseguíamos despontar sorriso enquanto a cidade crescia. Me lembro bem, e acho que era daquele tipo de coisa boa com gosto de maçã fresca que algum dia alguém botou na minha mão. Mas só acho -- certeza eu prefiro não ter, pois onde já se viu querer ter certeza de qualquer coisa se se é negro, se se é pobre? Isso é o que eu ouvia pelos entreolhares de orelhas pelas calçadas apinhadas de gente. Negro, pobre e de saias? Pior ainda, é o que diziam, resmungando que sou mal-educado ou então louco de pedra. Eu ficava quieto no meu canto, nem ligava, que senão deixava de ver minhas crianças, coisa que importava mais, valia o dia quase todo. 

As crianças tinham nome de estrangeiro, apesar da carinha dessa terra aqui. Eu mantinha-me variando, do nome macho que tivera de pequeno ao nome ensaiado que era naquela época, e que prossigo sendo até hoje. Antes tinha nome digno, com glamú de gente rica, mas pra quê, eu me perguntava, se a gente vira coisa jogada por aí e ninguém de nada chama a gente. Minhas crianças, essas sim me chamavam, fosse o nome que fosse -- o nome que era.

No meio a tarde, em ponteiro ajustadíssimo, tocava o sinal alto que todo dia todo dia me acordava da calçada torta. As crianças gritavam em torno de uma bola meio murcha da modesta quadra da escola amarela. O muro era baixo, de finas grades sem ponta, praticamente ingênuo. Lá eu me debruçava para assistir o exímio futebol, tão mas tão levado a sério. As trancinhas dançavam das pequenas cabeças e as chuteiras baratas gastavam solado. O sinal soava de novo, os sorrisos meninos acenavam exclamações de meu nome. Minhas pernas fracas das desventuras esqueléticas mantinham-me junto ao muro até que a última criança voltasse à sala de aula.

Hoje, o medo da cidade grande cresceu os muros amarelos da escola e minhas crianças vão se erguendo com tempinho, sem que eu as veja. Aliás eu, em compensação, continuo na esma merda -- agora, porém, numa saia nova que as crianças me arranjaram sem saber se estava certo ou não, saia esta de bordados, até os calcanhares, toda branca. Me faz até parecer santa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário