terça-feira, 22 de novembro de 2011

Poente

Quando o céu declama
Desmaia, desmama
Parece que o mundo desanda
No túnel da Doutor Arnaldo
Onde o rosto doura
O falso amarelo dura
Sol paulista feito lâmpada
Sol que exclama merchandising

Quando o túnel acaba
Na boca da nova avenida
O show esgotou
O sol escondeu

O dia se finda no caos
Sem os ritos do parto
Sem a lenta rotina do cais.

sábado, 12 de novembro de 2011

Tempos de Morangos

Há tempos
que penso
no tempo

O tempo que foi
já não tenho
há um tanto de tempo
para trás

O tempo que vem
desconheço
nunca tive
tampouco vejo
(nem mesmo um beijo)

O tempo que vai
                         vem
temperamento de trem
tempero de vó

Dar tempo
ao tempo
é tontice

Se atenta
a dar tempo
ao tentar

Se atenta
a dar tempo
ao ter paz

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Pernas finas

Naquela época, vivíamos São Paulo. Conseguíamos despontar sorriso enquanto a cidade crescia. Me lembro bem, e acho que era daquele tipo de coisa boa com gosto de maçã fresca que algum dia alguém botou na minha mão. Mas só acho -- certeza eu prefiro não ter, pois onde já se viu querer ter certeza de qualquer coisa se se é negro, se se é pobre? Isso é o que eu ouvia pelos entreolhares de orelhas pelas calçadas apinhadas de gente. Negro, pobre e de saias? Pior ainda, é o que diziam, resmungando que sou mal-educado ou então louco de pedra. Eu ficava quieto no meu canto, nem ligava, que senão deixava de ver minhas crianças, coisa que importava mais, valia o dia quase todo. 

As crianças tinham nome de estrangeiro, apesar da carinha dessa terra aqui. Eu mantinha-me variando, do nome macho que tivera de pequeno ao nome ensaiado que era naquela época, e que prossigo sendo até hoje. Antes tinha nome digno, com glamú de gente rica, mas pra quê, eu me perguntava, se a gente vira coisa jogada por aí e ninguém de nada chama a gente. Minhas crianças, essas sim me chamavam, fosse o nome que fosse -- o nome que era.

No meio a tarde, em ponteiro ajustadíssimo, tocava o sinal alto que todo dia todo dia me acordava da calçada torta. As crianças gritavam em torno de uma bola meio murcha da modesta quadra da escola amarela. O muro era baixo, de finas grades sem ponta, praticamente ingênuo. Lá eu me debruçava para assistir o exímio futebol, tão mas tão levado a sério. As trancinhas dançavam das pequenas cabeças e as chuteiras baratas gastavam solado. O sinal soava de novo, os sorrisos meninos acenavam exclamações de meu nome. Minhas pernas fracas das desventuras esqueléticas mantinham-me junto ao muro até que a última criança voltasse à sala de aula.

Hoje, o medo da cidade grande cresceu os muros amarelos da escola e minhas crianças vão se erguendo com tempinho, sem que eu as veja. Aliás eu, em compensação, continuo na esma merda -- agora, porém, numa saia nova que as crianças me arranjaram sem saber se estava certo ou não, saia esta de bordados, até os calcanhares, toda branca. Me faz até parecer santa.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Histórias de trem

Abriram-se as portas rudes e o trem lotou. O casal, com seus dois molecotes de cinco anos não mais, equilibrou-se de pé junto a um dos canos do vagão. Na cadeira, um velho metido a engraçado puxou assunto com os pequenos, com os quais igualava altura:

- Qual o seu nome?
- Gabriel.
- Gabriel é um nome bonito. Quantos anos você tem?
- Cinco.
- Há quanto tempo você se chama Gabriel?

O menino, atônito, levou a mão ao muito fino lábio e pensou. O irmão, sussurando, salvou sua honra.
- Cinco.

O velho olhou as crianças, olhou o casal e disse repentino:
- Sexo é mentira.

Claro que os meninos não entenderam nada, assim como os pais, que ficaram um tempo pensando antes de soltar a voz novamente.
- Então os dezoito irmãos desses meninos são tudo mentira!, eles responderam achando graça.
- Vinte filhos?
- Vinte. E o senhor, quantos teve?
- Doze. Mas um morreu. Um casal de enteados também morreu. Mas uma era vagabunda e o outro era ladrão. Tinha é que morrer mesmo.

Abriram-se as portas rudes mas pouca gente entrou dessa vez, que era uma estação um pouco morta. Eu, em compensação, saí do trem. Subi as escadas da plataforma um pouco confusa, um pouco brava, com a impressão de que a gente não é mentira coisa nenhuma.