sexta-feira, 15 de julho de 2011

Pré-socratismo

As luzes de celofane colorido imitavam o poncho sobre a mesa. Os colegiais, todos muito bobos, pisavam nos pés uns dos outros ao som das baladas românticas de Nat King Cole. Não sabiam muito bem o que fazer, mas iam porque, bem ou mal, viam no baile da escola o evento mais esperado do ano. Os que já tinham par grudavam no companheiro, na esperança de que ele soubesse o que fazer. Os outros observavam, enquanto enchiam a tacinha de poncho a cada dois minutos, achando um qualquer coisa para brilhar olhos de acontecer. Brincavam consigo mesmos de apostar talvezes. Ela estava bonita em seu vestido azul, de cetim fosco e alça fina. A mãe, toda graça, largara seus afazeres durante a manhã por uma semana para preparar a roupa sem que a menina soubesse. Durante a noite, esperou o sono da filha para medir seu corpo -- se é para fazer, que se faça direito, é o que eu sempre digo -- assim sempre dizia a mãe. Suas mãos leves, quase ventríloquas, arrastavam a fita métrica durante o início da madrugada por entre a pele pelada, cor de goiabeira, da menina cujas goiabinhas ainda eram botão. Ali percebeu que em algumas semanas precisaria comprar um soutien, no menor de todos os tamanhos. Porém, ainda era jeca demais para falar de qualquer coisa envolvendo intimidades, imagine então falar das suas intimidades refletidas no íntimo da filha e de todas as outras mulheres do mundo? O marido saía cedo, em relógio exato que a esposa adiantava para que ele pensasse ser rápido andando até o trabalho. Voltava tarde e assistia televisão até altas horas, pois toda noite um bang-bang diferente se explodia no preto e branco em frente à sua poltrona. Era uma poltrona confortável, pois tinha nas costas três botões brancos que massageavam a medula.

No baile, a menina olhava em volta com olhos de pára-brisa, sentada em uma cadeira confeitada. O vestido, bonito, escondia bem, seus culotezinhos, que contrastavam com seu rosto fino de gente grande. O caimento do cetim se exuberava com discrição graças à aplicação dos botões brancos da mãe, em efeito vingativo, em sua primeira tentativa ínfima de rebeldia. A barriga já reclamava do tanto de poncho que a menina tomara e, ao chacoalhar-se, fazia um barulho baixinho de aquário. Estava feliz por Denise, a amiga bonita, que dançava com um menino desejável. Achava surpreendente que Eugênio estivesse conversando com uma menina mais velha e, no íntimo, observou com olhos duros a ridícula maquiagem de Raíssa para esconder uma pequena espinha. Chegou à conclusão de que seria melhor a menina não usar maquiagem nenhuma, uma espinha não ia jogar fora seu jeito bonito. Ao lado da mesa do poncho, dois meninos conversavam e olhavam para ela, sentada sozinha. Eram meninos, no mínimo, peculiares. Um pouco estranhos, mas ela observava com curiosidade, apostando seus talvezes. Usavam óculos garrafais e tinham nomes bizarros, mas eram bem inteligentes. Apesar de tudo, pareciam saber rir. Um deles era mais carrancudo e o outro, de cachos grandes e camisa mais solta, parecia mais aberto. Ela entendeu, teria que levantar e ir até um deles, antes que brigassem e jogassem poncho para todos os lados. Lembrou-se de alguns estudos que fizera na escola e decidiu pelo segundo menino. Pela lógica, pensou escolher Heráclito pois, se Parmênides ainda nada fizera, sua teoria da imutabilidade o impediria de qualquer novidade, enquanto com Heráclito tudo poderia acontecer. Levantou-se e Heráclito, mirrado e esquisito, deu alguns passos à frente. Parmênides passou o resto da noite mijando por ter tomado tanto poncho e o pai da menina com dor nas costas pela ausência de botão no bang-bang da poltrona.

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