sábado, 8 de outubro de 2011

A eternidade

Do frio que assolara a despreparada cidade, como que por brincadeira de mau gosto, desde o início do dia, saiu na infância da tarde o sol matutino, atrasado e, por conseguinte, também atrapalhado. Enquanto o trânsito caótico de cada todo dia imperava a gesticulação paulistana, Cícera marchava seus passos típicos de quem não aceita a própria idade. Enfim o boné fuleiro que vestira desde de manhã tinha alguma serventia (ela sabia que teria), cobrindo os ralos fiapos sujos dos cabelos cor de acaju. Eram cabelos tão finos que lembravam os de recém-nascidos, tornando assim sua imagem cada vez mais antagônica consigo mesma, pois desacordavam o tipo de andar, o cabelo neném, as rugas na pele, o tamanho frágil das mãos e dos pés. Continuou sua andança até acabar o enorme quarteirão da avenida. O farol estava fechado para ela, que parou para esperar sua vez. Os carros transbordavam numa fila que não acabava jamais, todos em tons de prata e preto. Cícera esperava paciente olhando tudo com olhar de pára-brisas, mas estava sol ainda, como assim se prosseguiu.

Quem por ali passava via Cícera de pé diante dos carros e pensava "coitada da velha" ou então imaginava que nesse meio tempo ela pensava muito sobre muita coisa e o mundo todo. Nenhum carro lembrou-se de parar para a velha Cícera passar com seus passinhos de marcha. E ela, que nesse meio tempo não pensava em coisa alguma (não pensava em nada!) ficou lá, parada na esquina, o semáforo quebrado e os carros passando. Cícera ficou lá quietinha, um dos braços meio erguido segurando o ar, pois criança, pra andar na rua, tem sempre que andar de mãos dadas com um adulto.O semáforo ficou mesmo sem conserto e Cícera, dona Cícera, ficou lá sozinha, remeninando-se em vão. Para sempre --

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